Qualquer um que se inclina a analisar o volume de críticas ao serviço público percebe que entre as várias exigências dos munícipes reincidem aquelas referentes aos casos mais visíveis, a exemplo: os buracos nas ruas, as lombadas que precisam de pintura e principalmente a limpeza da cidade. Isso é natural por duas razões básicas: a primeira, porque obviamente qualquer um que tenha visão identifica e, a segunda, porque quem paga tributo tem o direito de cobrar pelo serviço público.
Mas compreender como as coisas funcionam deve ser uma de nossas tarefas básicas para que possamos posteriormente descrever como as coisas devem ser do ponto de vista da cidade ideal que desejamos. Para tanto, quanto à limpeza, considera-se um serviço público neste caso, portanto, a prestação de serviço público está vinculada à Lei 8.666/93, que regulamenta o artigo 37, inciso XXI da Constituição Federal, que institui as normas para licitações e contratos da Administração Pública, de forma que o processo licitatório assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas específicas que estabeleçam o cumprimento das obrigações. Alguém que vê a cidade suja, na pior das hipóteses alega, por indignação ou não, por oposição ou não, que se trata de incompetência do órgão executivo. Nas melhores hipóteses, os que compreendem, sabem que pode haver problemas licitatórios e/ou outros. Então aqui é que se resolva. Não há de se falar em má fé ou descaso proposital quando diagnosticado o problema.
Pensemos então, resolvido o problema, hoje ou amanhã, uma coisa é certa, sempre haverá necessidade de fazer limpeza. Mas por quê? Porque sempre haverá lixo de toda natureza: orgânico, hospitalar, eletrônico, lixo verde e etc. Mas para onde vai tanto lixo? Como nos comportamos em relação a eles? Será possível supor num futuro próximo, nos moldes de uma cidade ideal que propusermos, que o poder público dispense a sociedade de quaisquer taxas de limpeza e manutenção para que a mesma tenha o cuidado com a limpeza? Se fosse o inverso, seria uma pauta bastante conveniente aos liberais: dispensar o órgão público e buscar no mercado a prestação do serviço que seja conveniente ou até mesmo alimentar uma cultura de autodisciplina de limpeza.
Quando menciono isso, recordo do modelo 5S, método japonês para identificar problemas e gerar oportunidade de melhorias. O “S” representa “senso”, onde um deles é o S de Seiso - Senso de Limpeza. Será se seremos evoluídos culturalmente para mantermos uma disciplina onde tenhamos a consciência da prática da limpeza, de forma que a gente sempre compreenda que o lixo que produzimos é responsabilidade nossa? Lembro dessas lixeiras sob essas placas que a gente sempre vê com a frase “Jogue o lixo no lixo”, quer dizer, até que ponto o indivíduo precisa ser motivado, estimulado e até induzido a não contribuir com a poluição e com o descarte indevido de lixo ao que deveria fazê-lo por iniciativa própria sabendo o que é o certo a se fazer?
Parece-me que no Brasil, como li em algum lugar, “é preciso desenhar a explicação e explicar o desenho”. Mesmo assim, diante de orientações e normas explícitas, o indivíduo insiste em desrespeitar. Como poderemos descrever o dia a dia de uma cidade ideal quando não há índicos de respeito mútuo para a formação da cidadania?
Por muitas vezes se fez em Campo Novo do Parecis os chamados “mutirões de limpeza”, onde entidades se reuniam em parceria com o poder público para limpar os terrenos baldios, as ruas e os espaços públicos. Para tristeza dos que prestavam essa benevolência, poucos dias depois os locais estavam igualmente cheios de lixo. Curiosamente há poucos meses nas redes sociais a denominada #Trashtag Challenge tornou-se um desafio entre os jovens: identificar um local público com lixo e fazer a limpeza, postar foto do antes e do depois. Sensacional. Atitude louvável. Pode ser um hábito do que prevemos anteriormente se sugerirmos dispensar o poder público dessa prestação de serviço. Mas e aí? Estamos dispostos a cultura da disciplina e do senso de limpeza? Aquele papel de bala, aquela sacola plástica, aquele entulho que se descarta em terreno baldio, aquelas garrafas pets, canudinhos e copos, aquele lixo verde da árvore da calçada, conseguiremos nos adequar àquela frase básica de “jogar o lixo no lixo”?
Evidente que na percepção de muitos não é razoável transferir a responsabilidade de prestação de serviço do órgão público para a sociedade, mas também não é razoável pensar que o cidadão não deva ter bons modos e senso de limpeza porque o poder público presta serviço dessa natureza. De uma forma ou de outra, seja pela regulamentação pública ou pela iniciativa privada, cada um precisa fazer a sua parte quanto a contribuir para uma cidade mais higiênica, mais disciplinada, mais limpa e mais organizada.
Por: Thiago Augusto
Servidor Público Municipal, acadêmico e escritor nas horas vagas