Durante quase todo o mês de março, uma cena inusitada aconteceu em várias regiões dos Estados de Mato Grosso e do Paraná. As plantadeiras, que deveriam ter parado no início do mês, continuavam jogando semente de milho na terra pronta para o plantio da segunda safra, ou safrinha. Parte do plantio tardio de milho, que começa sempre em janeiro, aconteceu por conta do atraso na colheita da soja. Isso porque, no fim do ano passado, nesses dois Estados, o plantio de variedades precoces de soja ocorreu mais tarde que o habitual, em razão de um veranico inesperado para o período. “Por causa desse atraso, a segunda safra de milho é uma incógnita”, afirma Daniel Latorraca, superintendente do Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea). “Mas uma coisa é certa, a produção vai cair.” A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) estima uma produção de 62,1 milhões de toneladas em todo o País para a segunda safra, volume 7,8% abaixo do ciclo anterior. A área cultivada deve ficar em 11,4 milhões de hectares, 5,9% inferior. Incluindo o plantio de verão, o País deve produzir 87,3 milhões de toneladas na safra 2017/2018, volume 10,8% menor que na safra 2016/2017.
Maior produtor de milho do Brasil, Mato Grosso está plantando 4,5 milhões de hectares nesta safrinha, 5% menos. Em parte dessas áreas, que antes eram de milho, hoje está o algodão. O preço da fibra deu um empurrãozinho. Em meados de março, uma arroba de pluma estava cotada por R$ 85,90 no mercado físico, um aumento de 8,7% ante a safra passada e de 25,4% ante 2015/2016. Não por acaso, a área atual de cultivo no Estado é de 782 mil hectares, 25% acima da safra anterior. “Os produtores aproveitaram a valorização do algodão”, afirma Latorraca. “E já venderam boa parte da safra no mercado futuro.”
Para quem permaneceu no milho, a cotação em municípios importantes de Mato Grosso, como Sorriso e Lucas do Rio Verde, era de R$ 18,50 a saca de 60 quilos, em meados de março. Argino Bedin, proprietário das fazendas Santa Anastácia e Lagoa Dourada, em Sorriso (MT), diz que esse preço é baixo demais. “O ideal seria R$ 20 a saca”, diz ele. “Caso contrário, vamos perder dinheiro.” Bedin aposta na escala e plantou 17 mil hectares do cereal, mesma área plantada com soja na primeira safra. Ele espera colher 7,2 toneladas de milho por hectare. Em Mato Grosso, a previsão é de 5,9 toneladas, segundo a Conab. “A produtividade tem aumentado, mas nesta safra tudo depende do clima”, diz Bedin.
O clima não redesenhou a safra de milho apenas no Brasil. Por conta de intempéries, como na Argentina, por exemplo, a produção mundial do cereal é de queda. Soma-se a isso as estimativas dos estoques globais de passagem para o ciclo 2017/2018, segundo o levantamento do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (Usda, da sigla em inglês). Eles somam 199,2 milhões de toneladas, 14,1% abaixo de 2016/2017. A maior queda nos estoques é justamente na Argentina, de 8,5%. O país conta com 5,3 milhões de toneladas guardadas. O Brasil vem em segundo lugar, com queda de 7,3%. Saiu de um estoque de 17,7 milhões de toneladas na safra passada para as atuais 16,4 milhões. Os americanos, campeões mundiais de produção, possuíam no início da atual safra 54 milhões de toneladas estocadas, 7,2% abaixo do ciclo anterior. Para Edmar Gervasio, especialista em milho do Departamento de Economia Rural, da Secretaria da Agricultura do Paraná, embora o clima seja de incerteza para o cereal, ainda é cedo para arriscar um palpite sobre a safra brasileira e também a safra regional. “Temos que considerar a colheita americana e os estragos da seca na Argentina, mas o fato é que ainda não há clareza sobre esse cenário”, diz Gervasio. “Somente no fim de abril podemos traçar um panorama mais real sobre o milho.”
De acordo com Rafael Ribeiro, analista da Scot Consultoria, o cenário de incertezas do que pode acontecer com o cereal tem dado margem à especulação. No caso do Paraná, a produção estimada para a safrinha 2017/2018 é de 2,1 milhões de toneladas, 12,5% abaixo da safrinha passada. “Em fevereiro e março, a baixa disponibilidade elevou os preços no futuro”, afirma Ribeiro. “Eles devem ficar travados até o fim deste mês, mas a partir daí a previsão é de baixa nas cotações.” Em meados de março, contratos futuros de milho na B3, para maio, estavam em R$ 40,40 a saca.
Foi por isso que o produtor buscou opções, embora seja difícil sair do modelo de soja na primeira safra e de milho na segunda safra. De acordo com Giovana Velke, dona da fazenda São Pedro, em Campo Novo do Parecis (MT) e presidente do sindicato rural, parte do milho que era plantado na região foi substituído por girassol, milho pipoca ou feijão. “O produtor está optando por segurança”, diz ela. Giovana plantou 900 hectares de soja precoce, colheu mais cedo e semeou milho no lugar. “Consegui plantar o milho na janela ideal”, diz ela. “Mas quem semeou a partir do dia 10 de março, está correndo um grande risco.” Com o inverno se aproximando pode faltar chuva ou limitação de luz solar na fase final do ciclo do milho.
Dinheiro Rural
Foto: Alf Ribeiro